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“Lava jato” mostra descontrole do país sobre grampos telefônicos

Marcos de Vasconcellos

(Pela importância, transcrito do Conjur)

Mais de 100 horas de telefonemas de advogados com seus clientes estão indevidamente nas mãos no Ministério Público Federal. Usando o artifício de indicar o número do escritório Teixeira, Martins e Advogados como se fosse de uma empresa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o MPF conseguiu que segredos e estratégias de defesa em centenas de casos chegassem às mãos dos acusadores antes de serem levadas aos tribunais. A medida foi autorizada por Sergio Moro, na operação “lava jato”. O MPF diz que foi por engano, mas silencia a respeito da destruição das conversas.

O caso não é inédito, nem isolado. A escalada da vigilância mostra como a bisbilhotagem se fantasiou de segurança pública. Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça listava 10,5 mil interceptações telefônicas em todo o país. A então juíza auxiliar da Corregedoria do CNJ, Salise Monteiro Sanchotene, disse que o número era pequeno: “Não é nada para um país de 180 milhões de habitantes”. Sua fala foi levada a sério. Em 2013, outro levantando oficial, feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público, mostrava já 16 mil grampos feitos só pelos MPs, sem contar os feitos só pela polícia.

Já se vão quase três anos do último levantamento e a própria tecnologia já mudou. Os pedidos de interceptações telemáticas, que antes eram um número insignificante e referiam-se basicamente a e-mails, agora estão no auge — o número de computadores interceptados é maior do que o de telefones —, com os grampos atingindo aplicativos de trocas de mensagem como WhatsApp. A briga para ter acesso a mensagens trocadas levou inclusive o aplicativo a ser bloqueado no Brasil por algumas horas e um executivo da empresa a ser preso. As duas decisões, é claro, foram derrubadas em pouco tempo, mas mostraram onde está a preocupação dos investigadores.


Moro levantou o sigilo de conversas da presidente da República e de advogados que nada tinham a ver com o caso.
Agência Brasil

Estudos como do CNJ e do CNMP são recortes pontuais. A falta de controle é a regra, inclusive na operação “lava jato”. Conversas da presidente da República foram interceptadas, bem como de um ministro de Estado, Jaques Wagner. Depois de gravadas, foram divulgadas amplamente, a partir de uma decisão da 13ª Vara Federal de Curitiba, que retirou o sigilo dos dados.

Moro tomou uma decisão que cabia ao Supremo Tribunal Federal, apontam especialistas ouvidos pela ConJur. Isso porque a partir do momento em que os investigadores identificaram conversas com autoridades com foro por prerrogativa de função, caberia ao juiz apenas enviar a questão ao STF.

A justificativa de que os grampos estariam liberados por não serem em telefones do Palácio do Planalto revela um precedente perigoso e que pode expor sensíveis questões de Estado: para ter acesso às conversas da Presidência da República, basta grampear todos os seus interlocutores sem foro especial.

Grande parte dos diálogos vão parar no temido sistema Guardião, que não intercepta, mas organiza e armazena os dados e conversas dos grampos. Permite o cruzamento de dados por hora, dia e até pela voz do alvo. O sistema está presente na maioria das unidades do Ministério Público. O mesmo levantamento do CNMP de 2013 já apontava que 17 unidades tinham o sistema ou similares. Vale ressaltar também que a fabricante do software usado por todas operadoras de telefonia do Brasil para fazer as interceptações é a Verint, apontada como parceira da NSA para grampear chefes de governo europeus e outros alvos.

Seis ações no CNJ
Depois que o juiz federal Sergio Fernando Moro determinou que as conversas privadas do ex-presidente Lula saíssem do arquivo do sistema, elas tomaram status de discurso público. Ao telefone com Dilma Rousseff, disse: “Temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado”.

Depois da divulgação da conversa, o decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, pediu a palavra na sessão da corte. Apesar do fato de um juiz de primeira instância ter levantado o sigilo de telefonemas da presidente da República, atacou o conteúdo da fala. Classificou uma “reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes, que não conseguem disfarçar o temor do império da lei e de juízes livres e independentes”.

Advogados foram por outro caminho e decidiram questionar no CNJ a atitude do juiz que liberou os grampos. Já são seis reclamações disciplinares contra Moro na Corregedoria Nacional de Justiça, de autores como advogados de diferentes estados, um vereador do PT na cidade de Piancó (PB) e o Sindicato dos Advogados da Paraíba. A corregedora, ministra Nancy Andrighi decretou sigilo dos casos até que ela forme juízo sobre a questão e decida se arquivará as representações ou levará o caso ao Plenário do CNJ.

*Texto alterado às 20h58 e às 21h40 do dia 21 de março de 2016 para atualização.

Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2016, 18h10

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