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Insegurança jurídica ou a farra das prisões

Por Leonardo Isaac Yarochewsky – 08/06/2016 *

toda prisão sem julgamento ofende o sentimento comum de justiça, sendo entendido como um ato de força e de arbítrio

Luigi Ferrajoli

Inicio este artigo fazendo minha as palavras do desembargador e professor AMILTON BUENO DE CARVALHO que asseverou: “Não adianta, não contem comigo: não sinto gozo com pedido de prisão de ninguém, nem do Cunha, nem do Jucá, nem do Renan, nem do Sarney, nem de qualquer Zé ou Maria”.

Por mais que determinadas pessoas sejam nocivas ou indesejáveis, a prisão, notadamente, a provisória – antes da sentença condenatória definitiva – é uma desgraça que somente, e tão somente, em casos extremos e como ultima ratio é que deve ser decretada.

A prisão provisória (temporária ou preventiva), de natureza cautelar, deve atender aos critérios da necessidade e da proporcionalidade. Não é despiciendo lembrar que o status libertatis é a regra. O princípio da presunção de inocência segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória” é proclamado na Constituição da República (art. 5, LVII), ainda que o STF (Supremo Tribunal Federal) o tenha golpeado. De tal modo, não deve a prisão provisória ter um caráter de satisfatividade, ou seja, não pode se transformar em antecipação da tutela penal ou execução provisória da pena.

Em seu estimulante e imprescindível “Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos”, ALEXANDRE MORAIS DA ROSA a partir da teoria dos jogos assevera que “as medidas cautelares podem se configurar como mecanismos de pressão cooperativa e/ou tática de aniquilamento (simbólico e real, dadas as condições em que são executadas). A mais violenta é a prisão cautelar. A prisão do indiciado/acusado é modalidade de guerra como ‘tática de aniquilação’, uma vez que os movimentos da defesa vinculados à soltura”.[1]

É preciso advertir, salienta JUAREZ TAVARES, “que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação, em face da sua evidência”. Mais adiante, o mestre assevera: “o que necessita de legitimação é o poder de punir do Estado, e esta legitimação não pode resultar de que ao Estado se lhe reserve o direito de intervenção. [2] 

Não é demais martelar que a prisão preventiva somente deve ser decretada ou mantida em casos excepcionais e, mesmo assim, quando não há outra medida de caráter menos aflitivo para substituí-la (Lei 12.403/11).

No que diz respeito aos Deputados Federais e Senadores da República, a Constituição da República é muito clara e limitativa: “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.” (art. 53, § 2º, da CR).

Sendo assim, não há como decretar a prisão de um Deputado Federal ou de um Senador da República sem que eles estejam em estado de flagrância. Hodiernamente, fala-se muito em “obstrução da justiça”[3], ocorre que a suposta conduta até o momento não foi tipificada. A expressão poderia até servir, em tese, como referência para decretação de uma prisão preventiva fundamentada pela conveniência da instrução criminal e desde que fossem respeitados os demais critérios, todavia jamais para uma prisão em flagrante. De igual modo, criticou-se a prisão do então Senador Delcídio do Amaral.

Não resta dúvida que o STF é o guardião da Constituição da República e, portanto, em respeito a Ela, que vem sendo tão maltratada, é que deveria o STF agir com parcimônia em relação à decretação da prisão. Por maior que seja o desejo e a sede de justiça, o STF não pode ultrapassar os limites impostos pela própria Constituição. No Estado de Direito os fins jamais podem justificar os meios. Atropelos a ordem constitucional que resultam da insegurança jurídica podem levar o Estado de Direito à ruína e transforma-lo em Estado de Exceção, fruto do autoritarismo.

No Estado Democrático de Direito fundado, realmente, em bases democráticas – democracia material – deve prevalecer o princípio da liberdade e do respeito à dignidade da pessoa humana, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa. Repita-se, o status libertatis é a regra. A presunção é de inocência. E que todos possam ser julgados sem que seja desprezado o devido processo legal e o respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

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Belo Horizonte, 07 de julho de 2016.


Notas e Referências:

[1] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria do jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

[2] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal.  3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

[3] O Projeto de Lei 3.180-A, de 2004 de autoria do então deputado Antônio Carlos Biscaia prevê: “Art. 329-A – Impedir, embaraçar, retardar ou de qualquer forma obstruir cumprimento de ordem judicial ou ação da autoridade policial em investigação criminal:

Pena: Detenção de 1(um) ano a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço se a ordem judicial ou a ação policial não se realizam em razão da obstrução.”

*Texto extraído do site Empório do Direito ( http://emporiododireito.com.br/ )

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