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STJ, em Recurso Especial, reduz pena e decreta prescrição

HABEAS CORPUS Nº 196.110 – SP (2011/0021413-8)

RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI

IMPETRANTE: PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES E OUTRO

IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO

PACIENTE : J.C.D.B.A

 

EMENTA

HABEAS CORPUS. GESTÃO TEMERÁRIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CULPABILIDADE. CONSIDERAÇÃO NEGATIVA COM BASE EM ELEMENTAR DO TIPO. ILEGALIDADE. INQUÉRITOS POLICIAIS E AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO. SOPESAMENTO PARA A ELEVAÇÃO DA REPRIMENDA NA PRIMEIRA ETAPA DA DOSIMETRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 444 DESTE STJ. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. PREJUÍZO PARA A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. FUNDAMENTO IDÔNEO. CONSTRANGIMENTO EM PARTE EVIDENCIADO. SANÇÃO

REDIMENSIONADA.

1. Somente pode ser sujeito ativo do crime de gestão temerária de instituição financeira a pessoa que pode geri-la, de modo que inviável considerar elevada a culpabilidade do agente por conta desse fator, já que ínsito ao tipo penal violado.

2. Consoante orientação já sedimentada nesta Corte Superior, inquéritos policiais ou ações penais em andamento, ou mesmo condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser levados à consideração de maus antecedentes, má conduta social ou personalidade desajustada para a elevação da pena-base, em obediência ao princípio da presunção de não-culpabilidade. Exegese da Súmula 444 deste STJ.

3.  Havendo suficiente fundamentação quanto às consequências do delito para a instituição-vítima, que sofreu elevado prejuízo patrimonial em razão do crime praticado pelo acusado, não há que se falar em ilegalidade do acórdão condenatório na parte em que aumentou a pena-base em razão da desfavorabilidade dessa circunstância judicial.

REDIMENSIONAMENTO DA PENA RECLUSIVA. REGIME PRISIONAL E SUBSTITUIÇÃO. DESFAVORABILIDADE DE APENAS UMA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL. PACIENTE COM MAIS DE 70 (SETENTA) ANOS, PRIMÁRIO E SEM ANTECEDENTES CRIMINAIS. CRIME COMETIDO SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA A PESSOA. FIXAÇÃO DO MODO ABERTO DEVIDA. PERMUTA SUFICIENTE E SOCIALMENTE RECOMENDÁVEL.

1. A desfavorabilidade de apenas uma circunstância judicial, o fato de o paciente contar hoje com mais de 70 (setenta) anos, ser primário e sem antecedentes criminais, são de molde a autorizar a fixação do regime aberto para o início do cumprimento da reprimenda, justificando ainda a substituição da reclusiva por duas penas alternativas, por ser socialmente recomendável, diante da suficiência da medida e das especificidades do caso concreto.  Exegese dos arts. art. 33, § 2º, c, e § 3º, e 44, do CP.

REDUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. OCORRÊNCIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO.

1. Redimensionada a pena para patamar inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, constata-se a ocorrência de lapso temporal superior a 8 (oito) anos entre a data do recebimento da denúncia e a da publicação do acórdão condenatório, sendo mister declarar, de ofício, a extinção da punibilidade do paciente, pela caracterização da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade retroativa.

2.  Habeas corpus parcialmente concedido para reduzir a pena-base imposta ao paciente, tornando-a definitiva em 3 (três) anos de reclusão e pagamento de 50 (cinquenta) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituindo-se ainda a reclusiva por duas restritivas de direitos, declarando-se, por fim, de ofício, extinta a punibilidade do agente, pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, na forma retroativa.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem e declarar, de ofício, extinta a punibilidade, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques (Desembargador convocado do TJ/PR), Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

SUSTENTOU ORALMENTE: DR. PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES (P/PACTE)

Brasília (DF), 18 de dezembro de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRO JORGE MUSSI (Relator)

 

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de J.C.D.B.A. contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, nos autos da ação penal originária n. 2005.03.00.082007-2 condenou o paciente à pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto, pela prática do delito previsto no art. 4º, parágrafo único, c/c o art. 25, caput, ambos da Lei 7.492/1986 (gestão temerária de instituição financeira), c/c art. 29 do CP, nos autos do Processo-Crime n. 2005.03.00.082007-2.

Informam os impetrantes que o paciente foi denunciado inicialmente perante a Justiça Federal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, sendo a denúncia recebida pelo Juiz Federal da 3ª Vara Criminal da Capital/SP, em decisão datada de 28-2-1996, e que, encerrada a instrução, um dos corréus foi eleito prefeito da cidade de São João da Boa Vista/SP, ensejando o encaminhamento dos autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Julgada a ação penal em 29-11-2007, foi o paciente condenado, por maioria de votos, e, opostos embargos de declaração, foram parcialmente acolhidos, para, no tocante ao paciente, declarar seu direito de recorrer em liberdade, determinando ainda a juntada da transcrição do julgamento da ação penal correspondente aos votos vencidos e não declarados (fls. 168), interpondo-se ainda recurso extraordinário da decisão condenatória, não admitido (fls. 188-197).

Sustentam os impetrantes a ocorrência de constrangimento ilegal, ao argumento de que a Corte de origem não teria individualizado corretamente a pena imposta ao paciente, deixando ainda de fundamentar concretamente a necessidade de fixação da pena-base tão acima do mínimo legalmente previsto para o tipo penal violado.

Aduzem que o Banco Central do Brasil, em parecer quanto à conduta dos votantes no Comitê de Crédito visando a operação questionada, entendeu que não parecia possível reprovar a operação reconhecida como temerária, uma vez que “decidiram com base em proposta aparentemente completa, que concluía pela viabilidade do projeto, devidamente amparada em projeções financeiras” (fls. 5-6), acrescentando ainda os impetrantes que “o empréstimo foi condicionado à apresentação, pela empresa contratante, de garantias adicionais, chegando-se ao índice de 130% do valor financiado”, ou seja, “o crédito era lastreado na existência de garantia real” (fls. 6), razão pela qual defende que a culpabilidade do paciente não poderia ter sido considerada tão elevada, como foi.

Anota ainda que, nos dois anos que o paciente atuou no Comitê de Crédito do Banco Banespa, “deliberou sobre mais de 5.000 operações, valendo realçar que a deliberação favorável do Comitê veio precedida de pareceres emitidos pela Diretoria de Operações de Desenvolvimento, pela Vice Diretoria do mesmo órgão e mais dois departamentos técnicos, que opinaram favoravelmente à aprovação do crédito” (fls. 6), não havendo, por isso, no seu entender, a devida individualização da conduta nos termos do art. 59 do CP.

Argumentam que a majoração da sanção básica teria supedâneo na gravidade abstrata do delito, malferindo-se, portanto, o enunciado sumular n. 718 do Supremo Tribunal Federal, salientando que “o prejuízo explicitado na condenação não é provado nos autos” (fls. 7).

Fazem ver que a culpabilidade do agente “seria amplamente mitigada pelo fato notório de o empréstimo ter sido realizado mediante documentação idônea, como bem realçado pelo Banco Central” (fls. 7), tema não tratado pelo acórdão combatido.

Defendem que, quanto aos antecedentes do condenado, nada haveria em seu desfavor; seu comportamento profissional foi de zelo durante todo o tempo em que atuou junto ao Comitê de Crédito do Banespa (foram mais de 20.000 operações); sua personalidade somente poderia ser considerada positiva.  E, no tocante às consequências, argumenta que não teria havido qualquer prejuízo aos investidores, nem ao sistema financeiro nacional, ressaltando que tal somente poderia ser o “mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico”, sendo que a ideia de perigo seria contrária a esse entendimento (fls. 8), motivo pelo qual defende que o desproporcional incremento na pena-base com fundamento especialmente nessa circunstância judicial seria inidôneo e manifestamente ilegal.

Observam que a exasperação da pena-base acima do mínimo legal seria desproporcional também ante a favorabilidade da maioria das circunstâncias judiciais, destacando a ausência de prejuízo aos investidores e ao Sistema Financeiro Nacional.

Requerem, assim, a concessão da ordem, para que a pena-base seja fixada no mínimo legal.

Sobreveio petição dos impetrantes postulando fossem comunicados da data em que o mandamus será levado a julgamento, para fins de sustentação oral (fls. 303), o que foi deferido (fls. 305).

Nova petição veio aos autos, pleiteando a juntada de certidão de nascimento do paciente, comprovando ter mais de 70 anos atualmente (fls. 308).

Informações prestadas.

Os impetrantes postularam a extensão ao paciente dos efeitos da decisão deferitória da liminar concedida em favor de corréu, N.M.N., nos autos do HC n. 196.207/SP, tendo o pleito sido deferido, para suspender os efeitos do acórdão impugnado também em relação a J.C.D.B.A., até o julgamento final do presente writ (fls. 388-389).

O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem.

É o relatório.

 

VOTO

O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Da análise dos autos verifica-se que o paciente, então membro do Comitê de Crédito do Banco do Estado de São Paulo – BANESPA, foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região ao cumprimento de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 108 (cento e oito) dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 4º, parágrafo único, c/c o art. 25, caput, ambos da Lei n. 7.492/1986 (gestão temerária de instituição financeira), narrado nos seguintes termos:

A Companhia Agrícola e Pastoril Vale do Rio Grande postulou, junto ao Banespa, em setembro de 1990, a concessão de empréstimo do valor equivalente a U$ 8,8 milhões, pelo prazo de 1 ano, a ser realizado nos moldes da Resolução n. 63 do BACEN, que regula o repasse por banco nacional de recursos externos provenientes de empréstimos contraídos no exterior.

Em garantia ao empréstimo, a empresa oferecia hipoteca de imóvel na região de Barretos, direitos creditórios sobre 15% do valor de desapropriação que o Estado de São Paulo promovia sobre terreno de sua propriedade, e aval do sócio A.J.A.F..Ressalte-se, por oportuno, que a situação econômica da empresa era calamitosa, apresentando passivo a descoberto e não tendo nenhum faturamento nos últimos seis meses.

Ademais, a sociedade em questão pertencia ao mesmo grupo econômico da Cia. de Cimento Portland Perus, que estava na lista negra do Banespa desde março de 1988, em razão de inadimplência.  Convém registrar que parte dos recursos decorrentes do empréstimo pleiteado destinar-se-iam justamente a quitar a dívida desta empresa.

[...]

O Comitê de Crédito aprovou o empréstimo em 04.04.90, sendo então composto pelos seguintes membros: [...].O contrato foi formalizado em 20-09-90, através de Escritura Pública [...], na qual o Banespa foi representado pelos denunciados S.S.L. e R.D.P..

Após a liberação total do crédito, a empresa, em correspondência endereçada ao Vice-Presidente de Finanças do Banespa, [...], solicitou a redução da comissão auferida pelo banco na operação, de 8% para 3% [...].  O citado dirigente do Banespa opinou favoravelmente ao pedido, que foi aprovado pelo Comitê de Crédito, independentemente de reunião para análise da questão.  [...].

Tal redução, além de ter prejudicado em demasia a rentabilidade da operação para o Banespa, afigurava-se francamente incompatível com o nível de risco envolvido.

Em agosto de 1991, quando o empréstimo estava prestes a se vencer, a Cia. Agrícola e Pastoril Vale do Rio Grande solicitou sua renovação, comprometendo-se a amortizar o equivalente a U$ 800.000,00. Os 8.000.000,00 restantes seriam pagos em dez parcelas, a partir de 17/09/92, sendo que a primeira vencer-se-ia em 17/09/92. Pediu também a liberação da garantia consistente na caução sobre 15% do crédito atinente à desapropriação de uma fazenda de sua propriedade, argumentando que as demais garantias já eram suficientes para assegurar o recebimento do crédito.

[...]

O pedido foi então submetido ao Comitê de Crédito, que o aprovou em 02.09.91, pelo voto dos seguintes componentes: [...], N.M.N., [...], J.C.D.B.A. , [...]. Consequentemente, foi lavrada escritura aditiva [...], contemplando integralmente a proposta da Cia. Agrícola e Pastoril Vale do Rio Grande [...].

A mutuária tornou-se inadimplente, ao deixar de recolher as parcelas do débito vencidas a partir de 02.07.92.  [...].

O Comitê de Crédito, em reunião ocorrida no dia 06-07-92, aprovou a transferência da dívida, mas, inexplicavelmente, não autorizou o ajuizamento de medidas judiciais tendentes à cobrança do débito [...].

Somente em 27-05-93, após inúmeras tentativas infrutíferas de composição do débito, foi ajuizada a ação competente, mas o Banespa não teve ainda condições de reaver os valores que dispendeu.  O valor total da dívida, atualizado pelo custo de captação do banco, monta atualmente cerca de U$ 30.000.000,00.

As operações acima analisadas violaram todas as regras de boa técnica bancária, e a sua análise induz à conclusão de que houve favorecimento à cliente, em detrimento dos interesses do Banespa.  Encontra-se, portanto, plenamente caracterizado o delito de gestão temerária de instituição financeira (art. 4º, parágrafo único, da Lei 7.492/86).  (fls. 18-21)

No que se refere à alegada inadequação da pena-base irrogada ao paciente, cumpre destacar, para melhor análise da questão sub examine , o trecho do acórdão condenatório relativo à dosimetria, verbis:

[...] em obediência ao princípio constitucional da individualização da pena, estabelecendo a cada um o que lhe é devido, na medida das respectivas atuações, e dentro da censura que o crime merece, [...], aqui, acrescentando eu, que o número exacerbado de inquéritos e processos-crime em que figurantes todos, servem também à majoração da quantia inicial de pena, se não como maus antecedentes, na valoração da conduta pessoal, demonstrando a personalidade dos réus, voltada à prática delituosa e à má conduta social, circunstâncias judiciais a sopesar na fixação em desfavor dos acusados.

Há que se estabelecer a pena-base privativa de liberdade em 4 anos e 6 meses de reclusão, justificando-se a elevação também o vultoso prejuízo acarretado à instituição, o maior dos bancos estaduais do país e um dos maiores do país à época; a importância da condição dos réus, todos ocupantes de cargos de expressão no banco, membro do Comitê de Crédito, que tinham como atribuição direcionar e decidir os interesses maiores da corporação, justamente pelos quais tinham o dever de zelar, reprovando operações de risco elevado, o que acabou não ocorrendo, conforme apurado.

Piores possíveis, as consequências de crimes como os que se encontram aqui, ‘o maior ou menor vulto do dano ou perigo de dano, que é sempre inerente ao delito, não só para a vítima como para a sociedade, o sentimento de insegurança provocado nesta e outros efeitos ainda que mais afastados’, a agravar de igual modo o teor de reprovabilidade da ação delituosa, comprometendo irremediavelmente a normalidade do sistema financeiro nacional, além dos imensuráveis gravames acarretados, em ações desferidas diretamente contra o Estado de São Paulo, ainda controlador do BANESPA por ocasião dos fatos, a demonstrar, pois, a indiferença dos administradores com o dinheiro público.

[...]

De igual modo, a pena-base pecuniária deve ter como patamar inicial o montante de 108 dias-multa, tomando-se em conta as circunstâncias judiciais supra referidas em proporção equivalente.

[...]

Não há agravantes ou atenuantes, nem sequer causas de diminuição da pena.

Com relação à continuidade delitiva, o critério da dosagem do aumento, à vista da incidência do artigo 71 do Código Penal, segundo o número de crimes praticados, fica estabelecido do seguinte modo: aos que tiveram atuação ao menos em duas deliberações do Comitê de Crédito, aumenta-se a pena em 1/6 (um sexto); participação em três ações, eleva-se em 1/3 (um terço); os corréus que integraram todos os atos de gestão temerária, têm sua pena acrescida de 1/2 (metade).

[...]

[...] atuaram exclusivamente na concessão do empréstimo, enquanto J.C.D.B.A. e A.C.N. concorreram para o crime, compondo o Comitê de Crédito apenas na reunião em que aprovada a renovação da operação.  Mantidas, portanto, as respectivas penas segundo os montantes inicialmente atribuídos.

[...]

Torno definitivas as penas, então, do seguinte modo:

[...]

- [...] J.C.D.B.A. [...] em 4 anos e 6 meses de reclusão e 108 dias-multa.  (fls. 224-229 – destacamos)

A aplicação da pena-base é o momento em que o juiz, dentro dos limites abstratamente previstos pelo legislador, deve eleger, fundamentadamente, o quantum ideal de pena a ser aplicada ao condenado criminalmente, visando à prevenção e à repressão do delito praticado.

Assim, para chegar a uma aplicação justa e suficiente da lei penal, o sentenciante, dentro dessa discricionariedade juridicamente vinculada, deve atentar para as singularidades do caso concreto, guiando-se pelos oito fatores indicativos relacionados no caput do art. 59 do Código Penal, dos quais não deve se furtar de analisar individualmente, e indicar, especificamente, dentro destes parâmetros, os motivos concretos pelos quais os considera favoráveis ou desfavoráveis, pois é justamente a motivação da sentença que oferece garantia contra os excessos e eventuais erros na aplicação da resposta penal.

In casu, da leitura do trecho impugnado do acórdão condenatório, verifica-se que a Corte impetrada, ao analisar as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, considerou desfavoráveis ao paciente a culpabilidade, a personalidade, a conduta social e as consequências do delito, e assim, aplicou a pena-base em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e pagamento de 108 (cento e oito) dias-multa, para o delito do art. 4º, parágrafo único, da Lei 7.492/86, que prevê pena de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Segundo a doutrina, na análise da circunstância judicial da culpabilidade, “deve aferir-se o maior ou menor índice de reprovabilidade do agente pelo fato criminoso praticado, não só em razão de suas condições pessoais, como também em vista da situação de fato em que ocorreu a indigitada prática delituosa, sempre levando em conta a conduta que era exigível do agente, na situação em que o fato ocorreu” (DELMANTO, Celso e outros, Código Penal Comentado, 7ª ed., Renovar: RJ, 2007, p. 186).

E, na hipótese que se apresenta, verifica-se que a Corte de origem considerou elevada a culpabilidade do paciente em razão do importante cargo que ocupava no BANESPA, integrando o Comitê de Crédito, “que tinha como atribuição direcionar e decidir os interesses maiores da corporação, justamente pelos quais tinha o dever de zelar, reprovando operações de risco elevado” (fls. 225), argumento que não é de molde a evidenciar a elevada reprovabilidade da conduta delituosa praticada, uma vez que, segundo a doutrina: “Sujeito ativo do delito é somente a pessoa que pode gerir a instituição financeira (delito especial próprio), e que se encontra especificada no artigo 25 da Lei 7.492/1986″ , entendendo-se ainda “por controlador e administradores de instituição financeira os diretores (pessoas que administram ou gerenciam um estabelecimento mercantil ou empresarial” e os gerentes – pessoas autorizadas a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados (art. 1.173,CC)” (PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 4ª ed., RT:SP, 2011, p. 162-163).

Ora, somente pode ser sujeito ativo do crime de gestão temerária de instituição financeira a pessoa que pode geri-la, de modo que inviável considerar elevada a culpabilidade do agente por conta desse fator, valendo destacar, outrossim, que, justamente por ostentar essa condição, “tinham como atribuição direcionar e decidir os interesses maiores da corporação, justamente pelos quais tinham o dever de zelar, reprovando operações de risco elevado, o que acabou não ocorrendo, conforme apurado” , conduta sem a qual o delito em exame não se configuraria, ou seja, a elevação da pena-base foi justificada com base em elementos ínsitos ao tipo penal do art. 4º, parágrafo único, da Lei 7.492/86, observado o que dispõe o art. 25, caput, da referida legislação, o que é manifestamente ilegal.

Na sequência, o Tribunal de origem considerou negativas a personalidade e a conduta social do paciente, haja vista a existência de inquéritos policiais e de ações penais em andamento em seu desfavor (fls. 224), indo contra o entendimento pacificado nessa Corte Superior e no colendo Supremo Tribunal no sentido de que inquéritos e processos penais em andamento, ou mesmo condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser negativamente valorados para fins de elevação da reprimenda-base, sob pena de malferir o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade.

Aliás, esta é a orientação trazida pelo enunciado na Súmula 444 deste Superior Tribunal de Justiça, que dita que: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e de ações penais em curso para agravar a pena-base.”

Por fim, a Corte de origem considerou desfavoráveis as consequências do delito, tendo em vista que o crime praticado pelo paciente teria comprometido irremediavelmente a normalidade do Sistema Financeiro Nacional, “além dos imensuráveis gravames acarretados em ações desferidas diretamente contra o Estado de São Paulo, ainda controlador do BANESPA por ocasião dos fatos” (fls. 225), sendo certo que, consoante consta da denúncia, o montante total do prejuízo ao BANESPA, atualizado pelo custo de captação do banco, totalizou, à época da denúncia, cerca de U$ 30.000.000,00 (trinta milhões de dólares) (fls. 21).

Tal fator pode, sim, autorizar o aumento na primeira etapa da dosimetria, em observância ao princípio da individualização da pena, sobretudo porque, segundo a doutrina, o delito de gestão temerária de instituição financeira é crime formal, que, portanto, independe da ocorrência de efetivo prejuízo a terceiros para a sua consumação (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 1.049), entendendo-se que “é bastante a sua ocorrência” – a gestão temerária – “para que o delito reste configurado” (PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 4ª ed., São Paulo: RT, 2011, p. 165), de maneira que não se pode dizer que o prejuízo seja inerente ao tipo do art. 4º da Lei 7.492/86.Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente deste Sodalício:

RECURSO ESPECIAL.  PENAL.  CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL: EVASÃO DE DIVISAS E GESTÃO FRAUDULENTA.  FALSIDADE IDEOLÓGICA E QUADRILHA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE, CONDUTA SOCIAL, PERSONALIDADE, MOTIVOS, CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DOS CRIMES DESFAVORÁVEIS. PROPORCIONALIDADE DO QUANTUM DE AUMENTO.  RECURSO DESPROVIDO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA SUPERVENIENTE.  HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.

[...]

5.  As consequências dos crimes também se revelam desfavoráveis, uma vez que restaram comprovados os milionários prejuízos econômicos.

6.  A despeito de algumas impropriedades quanto à fixação da pena-base, verifica-se que, considerando a pena mínima e a máxima abstratamente cominada a cada um dos crimes, o aumento implementado releva-se proporcional e razoável, pois o Tribunal a quo considerou, concretamente, os elementos acidentais que extrapolam consideravelmente os tipos penais básicos imputados aos Recorrentes.

7. Recurso especial desprovido. Habeas corpus concedido, de ofício,para declarar a extinção da punibilidade estatal quanto a alguns crimes, nos termos do voto, em face da ocorrência superveniente da prescrição da pretensão punitiva.  (REsp n.º 1.102.183/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 4-2-2010, DJe 1-3-2010)

No mesmo norte, o julgado abaixo colacionado da Sexta Turma deste Superior Tribunal:

HABEAS CORPUS.  GESTÃO FRAUDULENTA.  PENA-BASE. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FIXAÇÃO ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO.  POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.  INEXISTÊNCIA.

1. Havendo circunstâncias judiciais desfavoráveis, é viável a fixação da pena-base acima do patamar mínimo.

2.  No caso, o Magistrado aludiu à intensa culpabilidade dos envolvidos, uma vez que a prática delitiva teria perdurado por aproximadamente 3 (três) anos.

3. Além disso, as consequências do delito foram desfavoráveis, pois o prejuízo causado pelo grupo criminoso superaria o montante de seis milhões de reais.

4.  Ordem denegada.  (HC n.º 180.683/DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 15-2-2011, DJe 9-3-2011)

Portanto, da leitura do art. 4º, parágrafo único, da Lei 7.492/1986, depreende-se que o prejuízo causado pela gestão temerária não integra o seu tipo penal, e, “tendo o réu sido condenado pela prática de crime formal, verificado o seu exaurimento pela ocorrência do resultado, tal fato pode ser utilizado como fundamento idôneo para exasperar a pena-base na apreciação das conseqüências do delito” (HC 41.466/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2005, DJ 10/10/2005, p. 402).

Sendo assim, ausente qualquer constrangimento ilegal a ser sanado no ponto em que foi procedida à elevação da pena-base do paciente em razão das consequências do crime.

Dessa forma, verificada a inadequação apenas parcial da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, e considerando que remanesce uma desfavorável ao paciente – consequências do delito -, merece o acórdão impugnado ser parcialmente reformado nesse ponto, reduzindo-se a pena-base de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e pagamento de 108 (cento e oito) dias-multa para 3 (três) anos de reclusão e pagamento de 50 (cinquenta) dias-multa, reprimenda que se considera justa e suficiente para prevenir e reprimir a conduta criminosa denunciada, na forma como cometida.

Ante a ausência de qualquer agravante ou atenuante, bem como de qualquer causa de especial aumento ou diminuição, fica a sanção do paciente definitivamente estabelecida em 3 (três) anos de reclusão e pagamento de 50 (cinquenta) dias-multa.

Diante do novo patamar de reprimenda privativa de liberdade aplicado ao paciente, cumpre analisar o modo inicial de execução da pena, bem como a possibilidade de se deferir o benefício da substituição desta por penas restritivas de direitos.

Não obstante tenha restado uma circunstância judicial desfavorável, a fixação do regime semiaberto revela-se desproporcional ao quantum de pena aplicada, especialmente em se considerando que o paciente atuou em apenas uma das operações financeiras noticiadas na denúncia e o fato de contar atualmente com 73 (setenta e três) anos, consoante certidão de nascimento acostada a fls. 309 destes autos.

De fato, apenas as consequências do delito foram tidas como negativas, diante do elevado prejuízo ao banco vítima, a qual, embora idônea para justificar a elevação da sanção acima do mínimo, se mostra insuficiente para autorizar o estabelecimento do regime intermediário para o início do resgate da reprimenda e impedir o benefício da substituição da pena privativa de liberdade por sanções alternativas, não se podendo olvidar o fato de que o paciente é primário e não registra antecedentes criminais.

Nesse contexto, cabível a fixação do regime inicial aberto, por ser o mais adequado e proporcional às circunstâncias inerentes ao caso em questão, de acordo com o art. 33, § 2º, c, e § 3º, do CP.

Da mesma forma, preenchendo o paciente os pressupostos objetivos elencados no art. 44 do Código Penal e por se entender que a medida é suficiente para a prevenção e repressão do crime em que findou condenado, sendo ainda socialmente recomendável, diante das especificidades já apontadas, substitui-se a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a serem estabelecidas pelo Juízo da Execução competente.

Por fim, redimensionada a pena deste condenado para patamar inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, constata-se a ocorrência de lapso temporal superior a 8 (oito) anos entre a data do recebimento da denúncia – ocorrido em 28-2-1996 (fls.) – e a da publicação do acórdão condenatório – ocorrido em 15-1-2008 -, sendo mister declarar, de ofício, a extinção da punibilidade do paciente, pela caracterização da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade retroativa.

Diante de todo o exposto, concede-se parcialmente a ordem, para reduzir a pena-base imposta ao paciente, tornando-a definitiva em 3 (três) anos de reclusão e pagamento de 50 (cinquenta) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituindo-se ainda a pena reclusiva por duas restritivas de direitos, declarando-se, por fim, de ofício, extinta a sua punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, na forma retroativa, ex vi dos arts. 107, IV, c/c 110, caput e §§, e 109, inciso IV, todos do CP, c/c art. 61 do CPP.

É o voto.

 

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, concedeu parcialmente a ordem e declarou, de ofício, extinta a punibilidade, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”

Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques (Desembargador convocado do TJ/PR), Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

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